O que são ovários preguiçosos?

De vez em quando, lá aparece alguém numa sessão que me diz ter os “ovários preguiçosos”.

Muitas vezes, a pessoa não sabe bem o que isso significa, mas traz consigo a angústia de quem sente que uma parte de si não funciona ou que está estragada.

Apesar de parecer coisa inócua e de pouca monta, isto dos adjetivos pejorativos dados a partes do corpo, em consultório, tem que se lhe diga.

Em caso de dúvida, é imaginar uma disfunção erétil apelidada de “pénis preguiçoso”, ou uma baixa contagem de esperma ganhar o título de “testículos ociosos”. Alguém por aí com um pénis preguiçoso? (*)

O cuidado semântico aplicado nestes casos está correto por dois motivos:

  1. porque as palavras ditas em consultório deixam marcas que perduram
  2. porque contribuem de forma explícita para um diagnóstico

É isso que pretendemos: uma linguagem clara e útil, que nos ajude a perceber diagnóstico e eventual prognóstico.

Há umas semanas, nos stories do Instagram, perguntei em que situações já tinham ouvido a expressão.

Recebi centenas de respostas das quais estas são exemplo:

Os “ovários preguiçosos” surgem enquadrados nesta ideia de que ao dia 14 de ciclo temos sempre de estar a ovular, ter ciclos de 28 dias e que os ovários são um anexo que funciona de forma independente do resto do corpo – “estou sim? bom dia, era para avisar que 1984 ligou e queria o seu manual de volta, por favor!”

Tudo o que possa denunciar uma falha de performance ovulatória, com fármacos ou sem eles, candidata-se ao rótulo, apesar de hoje sabermos que uma eventual pausa ovárica pode ser pontual, reversível, fruto da idade ou circunstâncias, e nada disto ser tido em conta…

Pode ainda ser sintoma de um diagnóstico que precisa de ganhar forma para ser convenientemente gerido, seja uma síndroma de ovário poliquístico, uma tiróide em esforço, uma insuficiência ovárica prematura, ou outras.

Importa lembrar que o funcionamento dos ovários é comandado pelo teu cérebro, que com a sua produção de hormonas vai estimular o amadurecimento dos folículos e permitir a ovulação, e que o corpo funciona num todo.

Por isso, em situações de pausa ovárica (sem doença associada), ou seja, situações em que os teus ovários querem funcionar mas não conseguem, assegura-te de que estás atenta aos vários fatores que podem contribuir para ela:

  • subnutrição,
  • resistência à insulina,
  • medicação variada (desde anti-inflamatórios a anti-psicóticos),
  • saída de contraceção hormonal,
  • níveis contínuos e/ou desregulados de stress,
  • má qualidade de sono,
  • doença,
  • fases de transição (puberdade, pós-parto, perimenopausa, recuperação de IVG ou perda)
  • viagens,
  • vários acima acumulados, etc.

Escrevo este post entre o natal e o ano novo, em dias de pausa e ócio quase total.
Isso significa que sou uma preguiçosa o ano inteiro? Uma incompetente? Que nunca vou conseguir produzir nada de útil? Que este agora é o meu estado, irreversível, para todo o sempre?…

Preguiça não é diagnóstico. Nem para mim, nem para os teus ovários.

Boas festas ☆

(*) É também corrente o uso do mesmo adjetivo para os intestinos – “intestino preguiçoso”. Em termos concretos, não contribui com nada útil mas distancia-se da adjetivação do aparelho sexual e reprodutor por não apresentar, por motivos mais ou menos óbvios, a mesma carga em termos emocionais.