Vacina COVID19, ciclos e períodos

Durante meses assisti com um misto de rolar de olhos e curiosidade às coisas que fui lendo pela internet: “mulheres em menopausa voltam a ter o período!”, “abortos provocados por vacina COVID”, e o surgimento de “grupos de estudo” sobre o impacto da vacina no Facebook…

Uma coisa é certa: o impacto no ciclo menstrual não foi prioridade de análise aquando dos primeiros ensaios das vacinas – mas, infelizmente, nunca o é na maioria dos estudos ou ensaios…

Há finalmente um estudo em curso, nos Estados Unidos, para avaliar o impacto das vacinas COVID no ciclo menstrual e na menstruação e aguardamos (eu e os colegas de áreas ligada a estes assuntos), os resultados com grande expectativa.

Importa ter em conta que com qualquer medicamento que tomemos, o processo é mais ou menos igual:
É possível ler no folheto informativo quais os efeitos secundários possíveis, os mais e menos prováveis, e ainda o pedido para informar o médico ou farmacêutico caso ocorram esses ou outros que não estejam identificados e que se associe à toma do medicamento.

Este é o curso comum destas coisas:
há um levantamento primário de possíveis efeitos secundários —> as pessoas que levam vacina reportam um qualquer efeito que não está listado –> esse efeito é escrutinado.

Esta é a parte #1 deste post: tudo o que metemos no corpo tem potenciais efeitos secundários.

A parte #2 serve para nos lembrar de duas coisas distintas:

a) todas as vacinas, contra COVID ou não, têm por objetivo espoletar uma resposta do sistema imunitário.

b) o ciclo menstrual responde ao que acontece no corpo.
Se ficamos doente com, por exemplo, uma faringite e/ou tomamos anti-inflamatórios é bem possível verificar alterações nesse ciclo menstrual e/ou no próximo, dependendo da altura do ciclo em que adoecemos e do tempo durante o qual se fez toma de medicação.
Isto é “ciclo 1+1”, ou seja, a informação mais básica sobre o seu funcionamento e que deve servir como racional para tudo o que se segue.

Ambas alíneas deveriam ser o suficiente para assumirmos que é possível que a toma da vacina promova algumas alterações em algumas pessoas. O seu estado geral de saúde, a sua saúde menstrual, idade e meia dúzia de outros fatores vão decerto contribuir para desenhar uma resposta diferenciada em cada pessoa.

Se eu voar daqui para o Japão também é possível que o meu ciclo se altere.

O impacto não será igual para todas as pessoas já que o nosso estado geral de saúde, vida e idade não são os mesmos, e portanto a reação às vacinas (ou ao voo para o Japão) também não será igual para toda a gente.

Do que tenho observado e lido, duas queixas comuns estão relacionadas com:

i) atraso no período (agora que segues o meu trabalho, e já leste o Não é Só Sangue, sabes que o período não se atrasa mas sim a ovulação. O corpo após a vacina por reação, seja do sistema imunitário ou outro mecanismo qualquer, pode ter decidido ovular mais tarde.
Em algumas pessoas, até os anti-inflamatórios não esteróides (AINEs) têm o mesmo efeito.
Temos um corpo atento, reativo, capaz.

ii) fluxos mais abundantes ou dores menstruais (ora, sabemos que todo o processo de construção e libertação do endométrio mexe com imunidade e inflamação; parece plausível que possa ter aqui algum impacto que, tanto quanto se percebe, será sempre transitório e uma resposta mais ou menos imediata à vacina.
Agora isto não significa que as mulheres em menopausa voltaram a ter período porque isso é impossível. Podem ter sangrado mas temos de aprender a parar de chamar período a todo o sangue vaginal exatamente por causa disto. Se voltassem a ter período teria de ser porque ovularam antes e seria um milagre as senhoras de 70 anos terem ficado férteis com a vacinação!)

De minha parte, duas doses tomadas e dois períodos passados posso dizer-vos que a duração dos meus ciclos não apresentou alteração significativa mas que a menstruação após a 1ª dose foi, para quem não costuma ter queixas, realmente dolorosa.

E com isto o terceiro e último ponto deste post:

O exercício que a monitorização do ciclo nos convida a fazer todos os meses é o de olharmos para o todo que é a nossa vida e assim pergunto-me:

“Terei bebido água suficiente nesse ciclo, terei feito mais ou menos exercício, que coisas podem ter impactado a minha dor menstrual e que descartei, focando-me apenas na vacina porque #bodeexpiatório?…”

É que existe uma coisa chamada viés de memória, que é quando me pedem para recordar uma coisa qualquer em termos de cadeia de eventos e eu relaciono duas coisas com um grau de afetação maior do que o que naturalmente ocorreria.

Sei que me doeu e não é costume.
Sei que é possível, e muito plausível em termos de explicação, que tenha sido da vacina.
Sei que, caso tenha sido colateral da vacina, é/foi transitório porque não se repetiu depois.

O mais importante é não esquecer o que interessa por aqui:
o ciclo (menstruação incluída) é um barómetro do que acontece na tua vida.

Não é um bibelot, não é um enfeite nem uma coisa medida a régua e esquadro e em parcelas de 28dias como nos venderam.

A vida acontece, o corpo reage.

Máquina incrível esta, não? 🙂

Bons Ciclos!



p.s. – quanto a fertilidade, gravidez e vacinas COVID, a resposta curta que a ciência oferece neste momento é que é seguro. Consulta o site da DGS para mais informações sobre as campanhas de vacinação.