Um caso de “infertilidade”

Falamos de infertilidade quando um casal tenta engravidar há pelo menos um ano sem sucesso.

Deixem-me contar-vos o que costumo observar numa grande parte dos casais que chegam ao Círculo Perfeito supostamente “inférteis”.

Ela para a contraceção hormonal, faz umas análises pré-conceção, eventualmente uma ecografia e começa a fazer ácido fólico e/ou umas vitaminas. Começam a “tentar”, ou seja, a ter sexo desprotegido.

Para garantir que o processo é rápido, ela usa uma aplicação de telemóvel que lhe vai dizer quando está fértil, fazendo estimativa com a média de dias entre cada menstruação. Ou isso, ou recuperam o que aprenderam na escola, e têm sexo cerca de duas semanas depois da menstruação pois “a ovulação costuma ser a dia 14 de ciclo, mais dois dias, menos dois dias”.

E assim vão durante uns 6 meses, findos os quais o pânico começa a instalar-se. Lágrimas a cada menstruação e as dúvidas “será que tenho um problema? será que alguma vez vamos conseguir? porque é que todas engravidam menos eu?”

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A infertilidade é uma coisa muito assustadora, mas muitos casais só não engravidam porque não sabem o que estão a fazer. Afinal, isto era suposto ser simples…

Então procuram quem saiba: médicos vão oferecer a possibilidade de induzir a ovulação ou encaminhar para Medicina Reprodutiva ou “para tratamentos”. Como a espera no público é longa, alguns recorrem ao privado.

Outros, recorrem a tudo o que há à mão: todas as páginas de instagram que ofereçam uma esperança. De repente, o casal começa a munir-se de tudo o que pode faltar: planos alimentares, agulhas, suplementos, meditação, ligação transgeracional, cartomância, leitura de folhas de chá, etc.

Fica só a faltar o mais importante: informação, literacia de corpo e em fertilidade para perceberem se o que lhes está a ser vendido é, de facto, aquilo que precisam.

Infertilidade, fertilidade, subfertilidade

A OMS define a infertilidade como a impossibilidade de conceber um bebé saudável e de termo ao fim de 6 a 12 meses de tentativas (dependendo da idade do casal) de sexo regular desprotegido. Esta definição, cheia de boa vontade, fica aquém do que precisamos.
Principal motivo? A maioria dos casais que recebo em sessão NÃO TEM sexo regular mas sim sexo nos dias em que acha que ela está a ovular.
Segundo motivo? Nas últimas décadas, temos observado a fertilidade masculina cair a pique, mas continuamos sempre a assumir que a produção de milhões de espermatozóides capazes está garantida, e que não é preciso escrutinar o lado masculino da fertilidade como ponto de partida.

Vivemos num país cheio de vergonhas e de estigma. Não se fala de infertilidade. Temos até associações que, dedicando-se à causa, mudaram o seu nome para “fertilidade” apesar de nada fazerem no seu sentido, pois a via que apresentam é a de um caminho clínico e para tratamentos.

Vejamos, temos muita sorte em viver num século onde a ciência e a tecnologia nos permitem fazer bebés in vitro e contornar trompas obstruídas ou determinadas condições que impossibilitam uma conceção natural. No nosso caso em concreto, temos até um SNS que nos oferece tratamentos!

Contudo, a população geral apresenta um conhecimento sobre fertilidade absolutamente sofrível e perdemos todos com isso:

  • os casais, a quem o rótulo da “infertilidade inexplicada” pesa e acompanha a vida toda (mesmo quando já conseguiram os seus bebés)
  • nós todos, que vamos alimentando a nossa ignorância com histórias incríveis e mirabolantes da vizinha ou da miúda do tiktok
  • o país que continua a movimentar verbas para tratamentos sem qualquer investimento em ações de sensibilização sobre fertilidade e sua preservação.

O “caso”

Partilhei este caso no instagram do Círculo Perfeito.

Conto, este ano, ir contando mais histórias destas, para contribuir para a literacia em fertilidade, na esperança que compreendamos que nem tudo o que parece “infertilidade” o é.

Este casal chega ao Círculo Perfeito em Agosto de 2024.

Ela vem medicada – a fazer indutores de ovulação e progesterona – pois tem histórico de amenorreia (“falhas de período”). Ele traz um espermograma com alterações.

Objetivo: repor ciclos (ou seja, ovulações) e melhorar espermograma.

Fizeram duas sessões, mas entre elas trabalharam muito: depois de analisarmos em conjunto o que podia estar a provocar este estado de subfertilidade, encontrámos forma de melhorar o perfil fértil de ambos elementos.

São um dos primeiros positivos do ano de 2025.

Que sejam também, para quem lê, um sopro de esperança.

Bons ciclos!