Perimenopausa no Não é Só Sangue

A perimenopausa chegou ao Não é Só Sangue.

Com mais uma edição a chegar às livrarias no dia 09 de Setembro de 2024, o Não é Só Sangue vem agora revisto e aumentado com um capítulo dedicado à perimenopausa.

Perimenopausa e o corpo que falhou a vida toda

Acredito que o mais difícil está feito: por Portugal a falar sobre menstruação.

Agora precisamos de deixar de tratar as mulheres como pessoas que vivem em corpos que estão errados a vida toda…

Repara: entras na puberdade, as hormonas dão cabo de tudo, resolves com pílula.

Queres engravidar e não consegues em 6-12 meses? resolve com tratamentos (sim, mesmo que o problema esteja num mau espermograma. Ele toma o multivitamínico da moda, mas as picas e as intervenções são no teu corpo).

É uma chatice ter período porque não sabes a quantas andas? resolve com a pílula, que é mais fácil do que educar-te para o ciclo e ensinar-te a resolver o que está mal.

Estás em perimenopausa com as hormonas outra vez a fazer das suas? nem digas mais! resolve com pílula e logo paras pelos 55anos quando este barco tiver partido de vez.

A pílula e a contraceção hormonal no geral, a medicação, a terapia hormonal, são coisas incríveis e um privilégio acessível a quem vive neste século. Há pessoas e condições de saúde que beneficiam imensamente da sua toma. Porém, não podemos deitar fora o bebé com a água do banho. Entender a fisiologia do ciclo, a saúde menstrual, o que é comportamental, o que é “doença”, é essencial para podermos escolher se queremos estar ou não medicadas.

O corpo que vive “aqui”

O Círculo Perfeito é um ato político. Eu sei, temos horror a esta palavra, e lá vem o “se começas com estas coisas deixo já de te seguir”, mas espera (ou não, e boa viagem!):

Temos de entender que o que acontece no teu corpo, também acontece no meu e no de outras. Que a forma como estamos a olhar para o que acontece no nosso corpo está condicionada ao país, cultura e conhecimento que temos e onde vivemos. No Brasil, no Nepal ou na Holanda será outra coisa.

As histórias repetem-se. Ouço centenas de pessoas ao ano e posso garantir-vos isso.
As soluções são e serão as mesmas, até que alguém comece a questioná-las.

NUNCA em Portugal houve tantas mulheres acima dos 45 anos no mercado de trabalho. Portanto, há agora um nicho de mercado interessante para o marketing destas coisas “de mulheres”, porque, ao contrário das suas mães e avós, estas mulheres têm um poder de compra que elas não tinham – e nunca se ouviu falar tanto de “menopausa” como agora…

Se acham que é coincidência, pensem outra vez.

Então é esse o ato político: o Círculo Perfeito não existe para dizer que temos de adorar menstruar, e/ou fazer método natural de fertilidade a vida toda. Existe para termos informação do nosso lado, e para pensarmos, refletirmos sobre o nosso corpo no aqui e no agora, e sobre como as políticas públicas, o marketing e a venda de serviços fazem de nós alvo fácil quando não temos informação suficiente para decidir. Isso e lembrar que, mais do que nunca, a saúde e o “bem-estar” também são um negócio.

De boas intenções…

No meio das tantas coisas que vi sobre menopausa este ano, creio que o mais me surpreende é ver a fase de fecho dos anos menstruais ser tratada como uma condição avulsa. Como se fosse uma doença que nos vai afetar a todas, e para a qual precisamos urgentemente que o SNS se responsabilize porque não temos como escapar. Como um comboio que descarrila e vai levar tudo à frente, a menopausa mais que decidida a arruinar connosco!

O fecho destes anos é sem dúvida uma fase de vida que vai chegar a todas as que tenham a sorte de viver até lá, e sem dúvida que a saúde menstrual é uma questão de saúde pública, mas olhar para a perimenopausa como uma fase catastrófica, altamente sintomática sem enquadrar as mulheres de 40 e 50 anos na vida que temos neste momento no país, nem na sua história menstrual e literacia de corpo, é só um tiro no pé.

Chegar aos 40-50 anos sem perceber nada do ciclo menstrual, claro que vai agravar sintomas e queixas nesta fase. Então, por aqui, continuo a começar pelo princípio: entender o ciclo, criar saúde menstrual, saber o que esperar, o que funciona para nós, são as bases para uma perimenopausa tranquila…

É sobre isto que falo no novo capítulo do meu querido NESS. Sobre sintomas e tudo o que podemos esperar que aconteça nesta fase, sobre Portugal e as suas mulheres em 2024.
Para que possamos entender onde estamos e fazer as perguntas que importam, para que a qualidade de vida não nos falte em perimenopausa ou depois.

Deixo-vos um excerto. Espero que gostem.

“Desde a publicação da primeira edição do NESS, também eu cheguei aos anos de transição para fecho do meu ciclo. Enquanto educadora menstrual, estou a adorar e a encarar esta fase com grande entusiasmo. Enquanto mulher, para já, estou relativamente assintomática, mas confesso que há dias em que me sinto deserta para que isto acabe. Contudo, como sempre, não é por mim que escrevo porque a minha experiência é, a vários níveis, privilegiada.

Estas são as duas situações que sinto que justificam estas páginas: a chegada a esta fase de grande parte das minhas primeiras clientes, que começaram a regressar às sessões por não encontrarem resposta adequada às suas pertinentes questões na abordagem clínica, a não ser, na generalidade, voltar à pílula contracetiva para resolver sintomas e não engravidar; depois porque, à medida que fui expandindo os serviços do Círculo Perfeito para esta área, com palestras e formações em empresas, confrontei‑me com o que, apesar de muito expectável, me apanhou de surpresa — enquanto sociedade, estamos pouco preparados para acomodar as necessidades desta população, seja porque não há informação suficiente, porque a que há é desadequada, ou porque temos este horror camuflado em falar sobre o envelhecimento das mulheres (q. b. justificável, porque anda de mãos dadas com o que nos venderam: velhas, incapazes, menos úteis, lentas, avessas à mudança).

Por tudo isto, costumo dizer que a menopausa (ou aquilo que até agora erradamente chamamos de menopausa) é o último tabu menstrual.
Não por ser a última coisa a acontecer em termos de linha de tempo, mas por ser vista como o «princípio do fim» não apenas da menstruação, mas — ler com ênfase dramático — de tudo, porque está embrulhada em idadismo e misoginia.
É como se uma onda de apagamento nos engolisse e empurrasse para fora das esferas onde ainda nos movimentamos, porque a medicina do biquíni não sabe o que fazer connosco agora, que já não servimos a espécie com a nossa capacidade reprodutiva, e a idade nos roubou a pele sem rugas e o colagénio. Ficam os aplausos para as que se esforçam para ainda se reproduzir e as que envelhecerem graciosamente, aparentando menos idade e continuando atraentes e parecendo «não ter mais de 30»…
Mas a vida não se gasta ao espelho porque não somos a madrasta da Branca de Neve e temos mais que fazer.”

O Não é Só Sangue está disponível em livrarias físicas e online, e em sítios onde se vendem livros. Podes adquiri-lo em formato papel ou ebook.

Boas leituras!