engravidar | não engravidar

A ideia de que as nossas intenções reprodutivas estão contidas numa dicotomia simples de “quero Vs não quero engravidar” parece óbvia mas, em termos práticos, não podia estar mais longe da realidade.

Entre uma coisa e outra, há uma quantidade de nuances sobre as quais é preciso determo-nos, e que nos convidam a refletir sobre onde nos posicionamos efetivamente.

Confuso? Eu explico.

Imaginem que “não quero engravidar” mas corro riscos – leia-se, tenho sexo desprotegido – em dias em que a minha fertilidade não foi criteriosamente avaliada1… Não sei bem se estou fértil nesse dia, mas assumo que “era preciso ter muito azar!” e logo, arrisco sexo sem proteção, um preservativo colocado no final da relação ou até um coito interrompido.

A realidade é que os “azares” existem e não acontecem só às outras pessoas.
Devem, por isso, ser acautelados e ponderados em todo o espectro de consequências imediatas e de médio prazo, para que as nossas intenções reprodutivas e os nossos comportamentos sexuais estejam alinhados.

Se não quero engravidar de todo, a ação que condiz com a minha intenção reprodutiva é não correr quaisquer riscos.

Se digo que não quero engravidar, mas corro riscos, então estão a falhar duas coisas:

  • clareza de intenções no que respeita as minhas reais intenções
  • responsabilidade sobre as minhas ações, que vão determinar os meus comportamentos na hora do sexo

Por tudo isto, existe uma escala de intenções, entre quem utiliza a monitorização do seu ciclo e da sua fertilidade, que nos permite esta reflexão sobre o que digo e o que faço.

Apesar de ser uma escala não-oficial, usada entre utilizadoras dos métodos naturais, considero-a extremamente útil, logo numa primeira instância, como convite à responsabilidade pessoal.

Como instrutora de método natural de fertilidade (MNF), confesso que adorava ver a sigla da escala de intenções junto dos comentários sobre gravidezes não planeadas que encontro internet fora, e que vão dando má fama aos métodos que passam pela identificação da janela fértil, já que TODOS eles são co-dependentes da ação de quem dele faz uso.

O MNF apresenta uma taxa de eficácia acima dos 95% com uso perfeito porém, com uso típico (sem cumprimento das suas regras) esta taxa desce rapidamente uns 20 pontos percentuais!

Todos os métodos contracetivos (mesmo os hormonais) têm uma eficácia determinada, mas a pergunta para o milhão de euros é se as intenções e as ações estavam alinhadas.

Em rigor, estamos a falar do compromisso de cada pessoa para com a utilização do método que escolhe.
É válido para o MNF, para a pílula, para o preservativo, para tudo…

A escala apresenta-se num espectro que vai desde o não querer engravidar DE TODO, e que passa inclusivamente pelo término da mesma na eventualidade de se verificar, ao querer engravidar até ao máximo da possibilidade, recorrendo por isso a todas as ajudas disponíveis (tratamentos e procedimentos assistidos).

As siglas são em inglês, porque a escala é internacional, e têm um apontamento importante:
a primeira palavra é sempre um “trying” ou seja, “a tentar”.

A tentar engravidar – TTC de trying to conceive: a tentar conceber.
A tentar não engravidar – TTA de trying to avoid: a tentar evitar conceção.

“A tentar” porque, como sabemos, não há absolutos em parte nenhuma da escala.

Para além dos pólos (que vão do TTC10 ao TTA0) e de tudo aquilo que cabe entre eles, temos ainda duas outras situações que contemplamos:

  • quem não está a tentar nem uma nem outra coisa e aceita o que vier, que se enquadra no que chamamos de TTW de “trying to whatever2.
  • quem monitoriza o ciclo por questões de auto-conhecimento e saúde menstrual.
    Nestes casos, estamos em CHF, i.e., “charting for health“: a fazer gráficos para aprender sobre o ciclo e a nossa saúde.

Então, convido-te a olhar para esta escala abaixo e a avaliares onde estás, neste momento da tua vida.

É uma ótima ajuda também para te indicar caminhos contracetivos. Por exemplo:

  • Queres usar MNF mas usas à tua maneira? Talvez não seja para ti. O método tem regras!
  • Tomas a pílula mas esqueces-te muitas vezes dela? Talvez precises de uma alternativa cuja toma não seja diária.
  • Fazes coito interrompido mas hiperventilas só de pensar numa gravidez? Precisas de repensar a tua contracepção.

Por muito que adore a ideia de ver toda a gente a fazer MNF, adoro mais saber que há gente empoderada com informação, capaz de decidir o que faz sentido para si a cada momento da sua vida, sem decisões precipitadas, nem romantismos e muito menos apps a adivinharem janelas férteis.

Alinhar intenções reprodutivas e ações (comportamentos sexuais) é menos glamoroso que uma tarde no spa, mas também é auto-cuidado.

Bons ciclos!

1 Isto, claro, se estivermos a falar de mulheres e de pessoas com útero e ovários, já que os homens (CIS) estão férteis todos os dias, a cada ejaculação. Infelizmente, por motivos culturais, continuam pouco responsabilizados sobre as eventuais consequências de um sexo desprotegido mesmo quando não têm interesse em iniciar um projeto de parentalidade.

2 Em Planeamento Familiar Natural estas pessoas recebem a designação de “NTNP” – not trying not preventing

Nota: TTA0 e TTA1 são ambas de evitamento da conceção. O TTA1 não contempla o término de uma gravidez, caso ela se verifique.
É escolhido por quem optaria por manter a gravidez e entregar o bebé para adoção.