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- Publicado: 26/08/2019
- Categoria: Ciclo Menstrual, Fertilidade, Informação, Literacia de Corpo, Menstruação
Educar para o ciclo menstrual
Educar para o ciclo menstrual é um contributo direto para a literacia de corpo e em saúde.
Sinal de saúde ou uma doença?
“Mas é médica? O que é isso de educação menstrual?” – perguntou alguém quando abri a conta do instagram do Círculo Perfeito.
Não sou médica, nem nunca aspirei a sê-lo.
Os médicos tratam pessoas e eu não estou aqui para tratar ninguém porque o ciclo menstrual não é uma doença, mas um caminho para a saúde – geral, ginecológica e reprodutiva.
Portanto, quando o ciclo sinaliza um problema, encaminho as pessoas que me chegam para os profissionais de saúde das especialidades que dão resposta às necessidades identificadas (ginecologia, endocrinologia, psicologia, medicina reprodutiva, etc.)
Ciclo menstrual e fertilidade
Há cem anos, em Portugal, as mulheres tinham filhos às mãos-cheias.
Menstruavam pouco, e o que sabiam era que se a menstruação não chegasse durante 3 meses, estavam “de esperanças”.
Depois, há quase 60 anos, fomos dos primeiros países europeus a disponibilizar a pílula contracetiva.
O que queríamos? Parar de ter tantos filhos.
E conseguimos.
A estrutura socio-económica do país alterou-se porque a condição social da mulher também se alterou.
Passámos a ter mais mulheres no mercado de trabalho, com mais qualificações, no ensino superior, menos mulheres casadas, etc.
Ou seja, é inegável o que a disponibilização da contraceção hormonal fez por todas as que vieram antes de nós e tiveram acesso a ela, e o que faz por quem a toma, ainda hoje.
Contudo, agora queremos sair do binómio ter/não ter filhos quando falamos de ciclo.
Educar para o ciclo menstrual andará sempre a par e passo com a gestão da fertilidade, mas está muito para além disso.
Atualizar para (re)educar
Então, se se sabia alguma coisa sobre o ciclo há 60 anos (a ovogénese foi mapeada apenas por volta de 1930) hoje sabemos imenso. Ou pelo menos, sabemos muito mais.
Estudamos o ciclo, na sua dimensão física e psicológica, o impacto das hormonas sexuais ováricas na saúde ginecológica, mamária, óssea, cardiovascular, a interação de todas estas coisas com o resto do corpo e da vida.
Educar para a saúde menstrual e para a fertilidade faz parte do programa POPIN das Nações Unidas desde 1992, não porque o foco são os países do “3º mundo” e “coitadinhos, não têm melhor” mas porque sabemos que a literacia de corpo promove comportamentos mais saudáveis em relação ao mesmo, e no que diz respeito às opções diárias de cuidado e de índole sexual.
O empoderamento das miúdas e mulheres só é possível com instrução e educação, e é crucial, aqui e na China, para um tecido social dinâmico e sem polarizações de género.
Portanto, não estou aqui a inventar nada nem a lançar uma moda.
A educação para o ciclo menstrual não é uma celebração da menstruação, com luas e rituais.
Isso é de escolha livre, tal como ser devota a um santo ou fazer o caminho de Santiago quando se tenta engravidar.
Somos o conjunto de crenças que temos, e está tudo certo.
Contudo, educar para o ciclo menstrual é outra coisa.
É colocar o foco de onde ele saíu em 1960: na ovulação.
Um corpo em equilíbrio ovula.
Um corpo em equilíbrio está fértil.
Educar para o ciclo é empoderar todas as mulheres e pessoas que menstruam com informação fidedigna sobre o funcionamento do seu corpo, permitindo-lhes entender como podem usar o ciclo como um árbitro de práticas quotidianas.
E com isto, temos a cereja no topo do bolo: desconstruir o estigma e a desinformação que ainda habita nas cabeças e um pouco por toda a internet, onde se democratizou a normalidade do sintoma: as dores, as mudanças de humor, a vontade do chocolate, a choradeira pré-menstrual…
(Uma chatice! Quem não quereria livrar-se disso?)
Em suma, estou cá para ajudar a desconstruir estes e outros mitos, para vos dizer que esse folclore que resulta em memes engraçados sobre o período não é um fruto de um ciclo menstrual em equilíbrio, e que há trabalho a ser feito.
Estou por aqui há quase 15 anos, de mangas arregaçadas, para reduzir a iliteracia de ciclo.
E acredito que é possível mudar o mundo (pelo menos o menstrual), um período de cada vez.