Aviões, pilotos e consentimento

Vamos imaginar que tenho um avião.
É meu. Pertence-me. Trato-o com carinho e cuidado.

Como preciso de um piloto, escolho-o também: o que me parece mais competente e com quem sinto empatia.

O avião é meu.
Eu decido para onde e quando quero viajar.
O piloto leva-me lá.

Portanto, a minha relação com o piloto é simples:

Eu decido.
Ele garante que o que peço é possível ser feito e de forma segura, e informa-me na eventualidade de ser necessário mudar alguma coisa do plano inicial: seja por problema técnico, necessidade de abastecer ou outra, que, dentro da sua expertise, pareça justificar-se.

Juntos chegamos a bom porto.

Porém, se o meu piloto decide dar uma de Maverick e faz o que lhe apetece, sem ouvir torres de controlo, sem cumprir com as regras da IATA, sem me ouvir a mim e sem cuidar convenientemente do meu avião, todos sofremos consequências, e isto não é o TOP GUN!…

(agora imaginemos que o meu corpo é o meu avião e que o meu ginecologista-obstetra é o piloto)

Entro descansada para uma viagem com destino ao Nepal e aterro num qualquer ponto das Caraíbas porque o piloto achou melhor.
Fazia mais sentido.
Sempre viajou para as Caraíbas.
Aliás, há anos que viaja para as Caraíbas e ninguém se tem queixado.
Quando começou a pilotar este era o destino de excelência, e quer lá saber se agora se viaja para outro lado, ou para onde eu quero ir!
Para além disso, ele é que é o piloto e eu mal sei conduzir um carro, de idiota que sou, quanto mais decidir o destino do meu avião.

Não crucifiquemos a Dra Maria do Céu Santo porque ela não é o problema.
Ela contribui e faz parte do problema mas temos de pensar globalmente e perceber que pagar ginecologista privado resolve o teu problema mas não o sistema.

Rolem para aí os olhos, gente que acha que isto é histeria de meia dúzia de feministas.

Comecem por se perguntar se o vosso corpo é mesmo vosso.

São vocês que mandam? Que decidem?
Ótimo.
Gostavam que fosse sempre assim? Fantástico.

É por isso que o problema é geral porque nem todas podem pagar. Há quem viaje de autocarro…

“Não sejam esponjas. Usem o cérebro.”

É isso. O meu cérebro, o meu corpo, o meu avião, as minhas escolhas.

Patrícia

Post de instagram @circuloperfeito_
Créditos da imagem: Eric Masur