Tens mais libido quando estás fértil?

Há uns dias fiz esta pergunta no instagram e 90% das respostas que recebi diziam que sim.

É um facto que não falta literatura de variado tipo a alegar este determinismo existencial: estamos cá para “crescer e multiplicar-nos” e o corpo sabendo disso, deixa-nos loucas de vontade quando estamos férteis.

Contudo, durante anos, nos workshops do Círculo Perfeito e nas sessões individuais, sempre foi comum haver quem dissesse ter mais libido (desejo sexual, vontade de ter sexo, ou o que lhe quisermos chamar) na altura em que menstrua ou está na pausa da pílula.
É sempre curioso dar conta do quão afrodisíaca a segurança pode ser para muitas pessoas, mesmo quando não se dão conta que é isso que as motiva…

Tenho vindo a trabalhar no sentido de uma sensibilização para a individualidade de cada pessoa, para que não nos sintamos uma carta fora do baralho quando nos dizem é suposto sentirmo-nos desta ou da outra maneira em determinada fase do ciclo, e por isso se lê no Não é só sangue, no capítulo sobre o impacto hormonal nos nossos comportamentos:

“Não sabemos na realidade se são reais estes comportamentos exuberantes ou exacerbados na ovulação, porque a investigação em torno do assunto apresenta questões básicas de metodologia que deixam questões começando por «como é que a ovulação está a ser determinada?» 

O que observamos em grande parte dos estudos sobre o ciclo menstrual é esta falta de rigor na determinação da ovulação.
Em muitos, assumiu-se o velhinho e já refutado cientificamente dia 14 de ciclo “mais uns dias, menos uns dias”;
Outros terão sido realizados em animais com ciclo estral (vulgo “cio”) que extrapolaram esses dados para humanas, assumindo que o pico de estrogénio no ciclo menstrual faria de nós também “gatas assanhadas”, ainda com o extra da elevação ligeira da testosterona (a “hormona dos homens”, esses animais sexuais…) para nos deixar cheias de pica para procriar, e meros corpos à mercê de uma natureza que é quem mais ordena.

Ora, a coisa mais incrível da ciência é que avança todos os dias e um novo estudo avaliou FINALMENTE os ciclos de forma séria, determinando a fase pós-ovulatória com a confirmação de valores de progesterona medida corretamente na fase lútea de cada pessoa que integrava o estudo.

A conclusão é no mínimo surpreendente – ou sê-lo-á pelo menos para os deterministas hormonais – e vem alumiar caminho e convidar-nos a repensar mitos da fertilidade e menstruais, e a partir em busca de novas referências para organizarmos a vida e a cama.

NÃO HOUVE pico de libido nas +60mulheres saudáveis, não fumadoras, em idade fértil do estudo.
Em NENHUM dos ciclos observados durante 11 meses.

Ri literalmente à gargalhada com o nervoso miudinho da descoberta.
“Que maravilha!” – pensei, com a cabeça a andar à roda com tantas perguntas em simultâneo:

  • afinal não somos fêmeas com cio?
  • então se não nascemos para ter sexo procriativo apenas, pode ser recreativo? ter sexo só for fun?
  • sendo assim a libido é mesmo uma coisa complexa que resulta da nossa interação com a envolvente, saúde, segurança e bem-estar?
  • isto explica porque é que as pessoas apaixonadas nunca se queixam de falta de libido?
  • teremos de reinventar o sexo, o que quer dizer e que significa dentro das relações que criámos e aceitámos socialmente?

Será que estamos preparadas para esta conversa?…

Se estás a pensar que contigo acontece MESMO teres mais desejo na ovulação pergunta-te se alguma vez te disseram que era isso que devia acontecer, se foste educada para a maternidade ou na crença de que as mulheres nasceram para ser mães, e por aí fora.
Se te for útil manteres acesa essa chama, força!
Defendo sempre a importância de nos agarrarmos ao que nos dá estrutura.

Por outro lado, se quiseres pensar no assunto para reformular a tua interpretação do que é a tua sexualidade e a relação com o teu corpo, que grande caminho de liberdade encontrarás pela frente.

Conclui o estudo que as hormonas estão longe de ser o que mais impacta na nossa libido, pois o interesse em sexo parece estar diretamente relacionado com a forma como as mulheres se sentem no geral, desafiando o determinismo resultante desta ideia da causalidade entre hormonas e o nosso comportamento sexual.

Parece óbvio dito assim, não é? 🤩

Hoje é um dia tão bom quanto qualquer outro para deitar por terra mais um mito sobre as mulheres e os seus corpos,

NOTA: o termo “mulheres” utilizado no artigo refere-se a pessoas CIS que foram as que integraram o estudo em foco.