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- Publicado: 30/10/2017
- Categoria: Fertilidade
Dá-te o Tempo…
Há uns tempos alguém dizia pela internet que isto do Método Natural de Fertilidade era um meio alternativo para engravidar… Fiquei a pensar: “Alternativo?… Ok, mas alternativo relativamente a quê? à Reprodução Medicamente Assistida (RMA)?”
E se sim, isso faz da RMA a regra? Será que estamos a chegar ao momento em que ‘todas’ somos inférteis e incapazes de engravidar naturalmente?
Creio peremptoriamente que não mas sei, porém, que é nisso que muitas mulheres acreditam: que são/estão incapazes, diminuídas, que o corpo lhes falhou e que sem ajuda externa não conseguirão concretizar o sonho da maternidade (biológica, entenda-se, que a maternidade pode expressar-se de muitas maneiras). Não é verdade absoluta, felizmente.
Por isso, mais do que um resultado positivo no teste de gravidez, o meu trabalho passa pela capacitação das mulheres no entendimento do seu corpo porque isso é o que vai durar para o resto das suas vidas e é o que lhes vai permitir identificar quando (e se) precisarão de ajuda externa (sejam exames, análises, medicação, RMA, etc.).
Mentiria se dissesse que os positivos não me interessam até por que quem me conhece sabe que gosto de números, percentagens e estatísticas.
Em Junho, antes de ir de férias, peguei nos quase 23 meses de trabalho acumulados e somei 34 gravidezes, 13 abortos espontâneos, 9 workshops e cerca de uma dezena de hipno-partos. De Junho até agora conto mais 5 gravidezes. Claro que isto (me) importa.
Porém, o que não tem preço é ver mulheres comprometidas consigo e com os seus corpos, dispostas a perceber mais e a encontrar novas formas de olhar e estar no seu corpo porque é isto que lhes muda a vida para sempre.
Das muitas coisas que tenho aprendido nestes anos, diria que a mais importante passa pela capacidade de ser resiliente num mundo tão cheio de distrações, de filtros, fast-living e respostas rápidas para sanar problemas. Passa por saber responder às adversidades com a gentileza de quem procura o equilíbrio interno que ajuda a traçar a linha que separa o ‘saber esperar/parar’ do ‘quando agir’, e a aceitar que por vezes um passo atrás é, na verdade, um passo à frente.
E isto aplica-se não só às que querem engravidar como àquelas cujos gráficos e ciclos não são “certinhos”, às que têm condições específicas de saúde que fazem com que irregularidades, ciclos longos, curtos, anovulações, fases lúteas curtas e spottings sejam apenas um espelho daquilo que se passa “lá dentro” e indicadores de que alguma coisa precisa de ser corrigida.
Recebi ontem, domingo, esta mensagem:
Sei que ficas feliz por estas boas notícias, e se formos olhar para a probabilidade de uma mulher com endometriose, sem qualquer tratamento hormonal ou cirurgico, engravidar no segundo mes em que tenta, parece-me uma excelente notícia! Eu pelo menos ainda estou incrédula 🙂Fiz ontem a noite um teste de gravidez, pelo clichê, mas sinceramente não era preciso. Aprendi a ouvir tão bem o meu corpo, que (e isto pode soar estranho) a partir do DPO6 já tinha praticamente a certeza de que estava grávida. E a partir do DPO10 era certo. E isso é realmente mágico.Um beijinho muito grande e obrigada por me teres ensinado tudo o que permitiu que este milagre da vida acontecesse. Sobretudo sobre a importância de sermos gratos, pacientes e bondosos com o nosso corpo. Logo eu, que achei que ele não me dava ouvidos..
A parte que importa reter é a da surpresa de quem descobre que afinal isto do “ouvir o corpo” não é uma grande treta, sobretudo porque se trata de alguém com uma condição de saúde diagnosticada que invariavelmente conduz à RMA e que ainda assim quis perceber o que estava ao seu alcance fazer… No caso dela, valeu a pena. É sempre assim rápido? Não. Às vezes nem acontece. Mas vale a pena darmo-nos “o Tempo”. Não me refiro ao tempo de calendário, que é aquele que nos diz “estou a ficar velha”, “a tentar há x meses”, “queria ter bebé antes dos x anos”, e que nos empurra para a falácia do resultado imediato, mas “o Tempo” lento, gentil e de descoberta que me permite entender o que o corpo precisa e de que forma o posso providenciar.
Comecei este meu trabalho de acompanhamento a mulheres pela RMA (a tecnologia a favor da medicina, nesta e noutras áreas da saúde, é uma coisa maravilhosa) mas fazer dela regra não é solução. Esperar resultados rápidos por esta via, muito menos.
Um dos líderes mundiais na área da fertilidade e pioneiro em RMA no Reino Unido, o Prof. Robert Winston, diz-nos que até à quarta FIV não temos sequer as estatísticas a nosso favor e no site da Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução podemos ler:
Há uma tendência crescente para considerar as técnicas mais sofisticadas (FIV e ICSI) como uma espécie de panaceia, um tratamento extremamente eficaz e indicado em todas as situações.
No entanto, tal não é o caso e a selecção dos casais para quem estas alternativas são adequadas deve ser feita tentando evitar a criação de expectativas excessivas e irrealistas, fonte de frustrações e sofrimentos psicológicos adicionais.
E por isso, e porque para fazer um bebé não bastam estatísticas, números e bons embriões para transferir, costumo perguntar quando me visitam: “Quanto tempo tens/te queres dar? Como está a tua saúde? E a tua vida, no geral? Onde está a tua felicidade?” porque enquanto (ou se) o bebé não chega, isto é o que importa.
A dor de uma gravidez que tarda em chegar não se ultrapassa sempre com “bola pá frente!”; às vezes é preciso mergulhar no que há, no que temos, para se perceber “porque é que o que faz falta faz tanta falta”. E isto é dares-te o Tempo.
A noite não cai mais depressa só porque queremos que o amanhã chegue…
Bons ciclos,