Cocktails, sauna e contraceção masculina*

Na semana passada, chegou às redes mais uma notícia sobre um *novo* contracetivo masculino.

Apesar do entusiasmo com que recebo estas novidades, parece-me essencial recordar que andamos de volta da contraceção masculina desde a década de ’70, portanto, convém gerir expectativas.

Há 5 anos, o Vasalgel tomava de assalto as notícias.

Um gel com efeito bloqueador para funcionar como uma “vasectomia reversível” prometia ser aquilo que toda a gente queria e precisava. Um estudo em macacos apresentou poucos efeitos colaterais e uma eficácia de dois anos.

O Vasalgel – ainda não disponível e sobre o qual se pode ler mais aqui – surgiu na linha do RISUG (reversible inhibition of sperm under guidance), uma tecnologia patenteada há várias décadas, para “esterilização masculina” entre dez a quinze anos.
Este polímero injectável nem sempre conseguiu resultados robustos nos ensaios clínicos.

Com um caminho lento desde a década de ’80, finalmente o RISUG está na fase III dos ensaios clínicos na Índia e aguardar autorização para a sua produção em massa.

Em 2019, tivemos mais notícias!
Desta vez, um contracetivo inspirado no cocktail Galaxy – uma bebida de diferentes camadas que só se misturam quando a bebida é mexida ou aquecida – foi testado em ratos e oferecia uma promessa de contraceção de curta duração (2 meses nos ratos) e reversível.

A par disso, continua a pesquisa, já com décadas, sobre a utilização de uma mistura de testosterona e progestina seja em formato injectável seja em formato gel para aplicação tópica.

E no final do ano passado, uma mulher subiu à ribalta neste tema.
Rebecca Weiss, uma designer industrial, ganhou o prémio Dyson com o COSO.

Uma solução contracetiva que assenta no sobreaquecimento testicular com ultrassons para reduzir a motilidade espermática e que leva cerca de duas semanas para fazer efeito.

– Quem diria que tudo se resolvia com uma sauna caseira?! –

Após uma primeira utilização supervisionada por um médico, a utilização pode depois ser feita de forma autónoma.
Faltam os ensaios clínicos que carecem de financiamento, já que o prémio pecuniário que Rebeca recebeu não terá ultrapassado 3500€.

Inquéritos feitos, mais ou menos avulso, têm demonstrado interesse por parte da comunidade masculina em experimentar contracetivos que não sejam o preservativo, mas a indústria mantém-se relutante por achar que o retorno financeiro destas soluções será baixo.

Cinquenta por cento dos homens afirmam estar disponíveis, mas o número não parece ser interessante suficiente para grandes investimentos…

O que se tem procurado é uma solução que seja segura de utilizar, eficaz, reversível e com o mínimo de efeitos secundários.

De todas as soluções, a pílula masculina parece a menos interessante – seja pela necessidade de toma diária, seja pelo impacto hormonal que tem demonstrado: acne, alterações na libido, de peso, no colesterol e no humor.

Soa familiar, não é?

Não deixa de ser justo exigir-se mais e melhor em termos de oferta contracetiva.
Afinal, uma solução de baixo impacto e risco é tudo o que a contraceção feminina* sempre devia ter sido e oferecido.

Uma nova proposta, chamada (para já) de YCT529, está pronta para começar a ser testada em humanos, após ter apresentado 99% de eficácia em ratos. A equipa está já a trabalhar numa segunda versão para tentar uma mesma eficácia com menor dose e risco de toxicidade.

Creio que precisaremos de mais uns dez anos para chegar “lá” – onde quer que seja – e que o difícil vai ser mudar mentalidades, e manter presente que nenhuma destas soluções oferece proteção contra infeções sexualmente transmissíveis.

Até o futuro chegar, o preservativo e a vasectomia oferecem diferentes tipos de proteção, e estão disponíveis.

Patrícia

*o artigo usa “masculino” em conformidade com a designação usada nos estudos e notícias sobre o tema, que se referem a opções destinadas a homens-cis.